domingo, 2 de março de 2014

Os Bichos Azuis

Carlos, escuto a mesma música há pelo menos dois dias ininterruptamente. A forma de meu sofá aderiu o formato reto e seco dos meus quadris e eu juro pra você que não gostaria de voltar para o mundo na segunda-feira. Tá muito dolorido, tá tudo muito embaçado e eu tenho medo de pisar em falso. As minhas fés em coisas inúteis também têm sido destronadas, estilhaçadas. Quanto tempo não sei o que é viver, Carlos? Se é que eu soube algum dia. Conta pra mim como a gente limpa as feridas sem que as farpas entrem e gerem coceiras? Não sei o que fazer com o meu desânimo e só tenho tido vontade de colocar minha cabeça no travesseiro e, apertando-o forte contra o rosto, deixar cair sob mim alguma aparente morte, vazio ou dor. Tento não respirar por vinte e quatro segundos mas percebo que isso é o máximo que meus pulmões conseguem (ou melhor, que não conseguem). Dói e está doendo cada vez mais todo esse lance de esperar a vida explodir, como diria clarice. Quando vou explodir, quando o milagre acontece? Sinto-me inerte e estático diante do mundo que mal acompanho os beijos apaixonados e as febres fúteis de quem sabe amar até a última gota de suor. Isso é vida Carlos? Escrever sobre solidão 00:30? Isso não alivia ninguém não e só vai criando camadas de lágrimas que não deixei verem. Porque sou assim: me escondo feito animal arisco que não sabe reconhecer. Porque me debato no oceano profundo que mata mas não morro e pior, me afogo. Aos pouquinhos, como quem adestra uma vaca com fogo quente e lâminas cortantes. É assim que se vive? A lança na boca, prestes a entrar e acabar com a goela faringe laringe cérebro e todo o resto? Sinto-me anestesiado dessa parte que é viver e sobreviver e respirar e rir e sentir. Queria que todas essas obrigatoriedades caíssem por terra para que eu pudesse sair de casa e receber o soco no rosto sem reclamar. Desconforto e angústia é tudo que me abraça neste momento. Ninguém, nem mesmo Deus, sabe do horror que é caminhar com os ombros pesados a caminho do inferno; a caminho do fogo eterno e da ausência completa de amor. Vivo assim, os dias. Temerosos, pesarosos, exaustivos. Na faculdade, tenho vontade de sorver liberdade; em casa tenho vontade de aspirar fugas eternas; pelo resto do espaço tenho vontade de expirar e sair feito barata quando é atacada por nós: trêmulo, quase-morto, escapando espancado. Você está me entendendo, Carlos? Pois já disse tantas outras vezes a mesma coisa que o sol já trocou de lugar com a lua e a depressão está lá, rindo fina, rindo leve. É uma doença, eu sei. Uma doença de pele, de alma, de quem não se contenta com o pouco e passa a buscar coisas inomináveis, inexistentes. Seria esse o problema - ou a solução? Macabéa morreu atropelada mas nem me jogar para fora de casa, estatelado na rua num dia de verão, eu posso e consigo fazer. Me tira daqui antes que os bichos azuis entrem pelos meus olhos, chupem meu sangue e me arrastem para o abismo. Já não aguento mais esse quarto cheio de mim.

-Flores Inexatas

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