domingo, 18 de janeiro de 2015

Quais são seus planos para esta noite?

O que fará hoje à noite? Não precisa responder agora. Apenas sorria desde já e, se puder, sem pudor, prepare-se para que sua coxa seja percorrida por aquele arrepio bom, revestida pela inevitável aspereza que lhe cobre a epiderme quando eu sou o animal faminto que lhe devora a nuca nua ou, então, quando minha saliva é a tinta fresca que picha seu corpo todo, diante da lua e bem no meio da rua.

Eu confesso que você me dá febre e que me faz ranger os dentes só de pensar na calcinha de algodão que escorre sempre suave por suas pernas quase infinitas, até chegar a seus pés e, enfim, perder-se inexplicavelmente em algum canto desconhecido de qualquer quarto fora do planeta.

O que fará hoje à noite? Eu já sei: desmarcará qualquer coisa que não seja uma embriagante dose de nós e aceitará meu convite para um passeio inesquecível ao redor da Lua, sem gravidade ou censura. Daremos mil passos por um espaço só nosso e hoje uma fusão nuclear colará minha carne crua em seus ossos.

Eu sei que você demorará horas, possivelmente séculos, para escolher um vestido que, com toda certeza, terminará despido, rasgado ou, com sorte, derreterá em pleno bistrô, quando eu fizer seu corpo ferver e disser em seu ouvido o quão fundo estou disposto a encaixar-me em você e o quanto desejo que seja a medida do seu terremoto particular.

Hoje eu quero que a cama quebre as pernas, pois não aceito que nada neste mundo seja capaz de suportar o peso de nossa valsa horizontal. Quero que a vidraça estilhace,

para dividirmos com o resto do universo o pouco que restará de nossa voz rouca, que invadirá outras casas com o grito incontido que nunca caberá em nossa boca.

E, mesmo que o céu todo desabe sobre nós, sei que permaneceremos de olhos bem fechados, protegidos por uma fina camada de suor e em meio aos escombros e ruínas de todo o resto sem nenhuma importância. Estaremos inteiros, completos e perfeitamente sujos como sempre. O que fará hoje à noite? Pego você às oito e talvez não a devolva nunca mais.


Ricardo Coiro (entendaoshomens.com)

sábado, 17 de janeiro de 2015

"O amor, o sono, as drogas e intoxicantes são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono e drogas têm cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela."
Fernando Pessoa, como Bernardo Soares, em “O Livro do Desassossego”

Não te alcanço








sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

“Um dia eu entro atrasado por aquela porta, mando o professor barrigudo calar essa boca, me apoio na sua classe e digo seco, sem mais nem menos, apenas que você é gostosa. Você é gostosa, ouviu sua imbecil? Tão gostosa que me irrita. Tão gostosa que me dá vontade de chorar. Tão gostosa que eu fico rabiscando suas formas na pontinha do meu caderno. Tudo em você me excita. Seus olhos, sua mania de coçar a omoplata nua com uma caneta Bic, quando você espia o sol pelas janelas da sala de aula, distraída da matéria no quadro-negro. Seu corpo deve ter gosto de pêra. Pelo que pude sentir à distância, você tem o melhor cheiro do mundo, a indústria devia captar sua essência e usar em algum cosmético.”

Gabito Nunes

MUROS

Não piche minhas paredes brancas.
Não escreva nos meus muros
palavras de revolta e revolução.
Meu branco pertence ao vazio
que você tanto busca preencher.
Dele tiro meus versos
e reflito a solidão que me dá assunto.
Meu povo não é assim tão manipulável
pra acreditar no que você diz que é ruim,
e nem assim tão manipulável
pra mudar de ideia com versos numa parede.
Não diga barbáries ao sistema no meu muro,
pois daqui, só quem o lê sou eu,
e eu sou tão desfavorável a ele quanto você.
Não invada meus muros
pois um dia vou pintá-los todos
com histórias de amor.

João, 60 Mil Anos
e escapo brusco para que percebas que mal suporto a tua presença, veneno veneno, às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona, mas volto e volto sempre, então me invades outra vez com o mesmo jogo e embora supondo conhecer as regras, me deixo tomar inteiro por tuas estranhas liturgias, a compactuar com teus medos que não decifro, a aceitá-los como um cão faminto aceita um osso descarnado, essas migalhas que me vais jogando entre as palavras e os pratos vazios, torno sempre a voltar, […]

caio
o sol de longe arde
no fim dessa doce tarde
iluminando a íris dos teus olhos
castanhos
que não é de hoje que me ganha junto
desse teu cabelo emaranhado
encaracolado onde estamos
eu e meus dedos
se perdendo num interminável te querer

e te querendo sigo pelos
meus dias de janeiro
a brisa macia de um saudoso verão
onde já mora uma saudade de ti inteiro
quando enfim estiver a meio ano daqui
e quando sozinho suspirar meu coração

sem tumulto, sem alarde
te guardo numa memória fotográfica
com cor agridoce de um interminável
sorriso misto
de uma outra ocasião.

Camila.
Um dia eu tenho meus olhos castanhos cor de nada pesados com o teu toque feito poesia do Vinicius e no outro o mundo inteiro tenta invadir meu coração, mas eu sou pouco demais pra saber amar o mundo. Drummond sabe disso. Você não entende o que eu quero dizer. E eu só quero dizer que bonito mesmo é a sua presença. Mesmo que eu fuja. Não suma de mim.

(via balburdiei)
"Mas a vida é mais natural que a morte, o prazer mais do que o sofrimento… E tu emprestas à natureza uma consciência que ela não tem. (…) Adormeçamos as tristezas do nosso passado, já que não podemos apagá-las de todo, e a vida nova se abra para nós como um sonho realizado."
Graça Aranha, no livro “Canaã”. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1902