segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O MUNDO COMO UM TODO É UM AÇOUGUE DE SOLIDÕES SEM VIGILÂNCIA SANITÁRIA.
Essa solidão não deveria sobreviver. Não pelos motivos que ela vem sobrevivendo a minha vida inteira. É um tiro no escuro escrever sobre tudo aquilo que as pessoas já escreveram, eu sei. O primeiro homem que inventou a palavra “solidão” (deus?) devia saber do que estava falando. Mas eu não sei. São tantas alternativas que já destrincharam toda a carne solitária do mundo e distribuíram entre os bípedes racionais como se fosse alguma preciosidade de conhecimento sentimental. Tudo (e longe de mim querer saber de tudo) não passa de migalhas, sobremesa de quem nunca teve muito o que pensar e mendiga um pouco de sabedoria em cima de óculos, cabelos brancos e entrevistas bem humoradas no programa do Jô Soares. Migalhas que, juntando uma com a outra, se aperfeiçoando na técnica de colagem e remendo, tudo é ainda um pedaço grande e mal cheiroso de carne. Não aguentaria ser vegetariano porque tenho sede de beber alguma espécie de medo. Acho que o medo deixa as coisas mais interessantes. Imagino o medo que bois, vacas, porcos e galinhas sentem antes de terem o crânio massacrado, caso o crânio não seja aproveitável. E dos peixes, que têm suas barbatanas cortadas. Sempre se lembram de suas barbatanas, não de seu cérebro. E cortam suas respirações, obviamente. Deve ser triste ter o seu meio de sobrevivência enfiado no meio da sua liberdade. Aquários são tão baratos, e tão cruéis. O medo de peixes frágeis vivendo em aquários frágeis em cima de móveis frágeis pertencentes a humanos frágeis deve ser gritante, catastroficamente gritante. Se aquela quantidade miserável de água consegue ser o oceano e o Deus daqueles peixes enclausurados, imagino o quão ridículo deve ser o nosso globo terrestre. Porque tudo me lembra um gigantesco aquário. Gigantesco, claro, na sua mediocridade. Medo. É isso o que torna a solidão tão presente nos livros e em seus preços astronômicos, na televisão e em suas reportagens de usuários de crack, na vida e em seus corações de peixes-humanos egocêntricos e narcisistas. Seremos mortos, claro, todos, como um desses bichinhos que estão nas propagandas do Greenpeace. Salvem as baleias. Salvem os cachorros. Salvem os humanos. Estamos sim, esperando o abate. A vida é uma fuga. De não sei exatamente do que. Mas deve ser muito, muito ruim. Uma fuga solitária. Que vença aquele que se adaptar melhor com o reflexo formado nas paredes do aquário (nas paredes de si). Minha solidão não deveria sobreviver pelos motivos que ela sobrevive, porque os motivos são simples: medo de ser multidão e uma vontade gritante de me tornar vegetariano. O problema é que sou sozinho. O problema é que também gosto de churrasco.

(Cinzentos)

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