Eu não tenho à quem escrever
Eu e o meu lirismo desnecessário. Eu e a minha ânsia de voar. Eu e os meus pés descalços, o meu sorriso desbotado e os meus anéis que machucam a gengiva.
Sobrou isso. O cheiro de um perfume assoprado através dos meses. Dos anos. Das vidas inteiras que ousaram, um dia, caber.
Sobrou eu. Sobrou a peça contestada em três atos tão bonitos e aterrorizantes quanto o próprio existir, o próprio saber cheio de dúvidas de tentar, pensar, não conseguir.
Sobraram as vírgulas, minhas amigas, tão menos dolorosas do que o ponto final. Sobrou a orelha na página virada, o marca texto colorido no passado que eu gostaria de relembrar, mas só relembrar e só de vez em quando. Pra sorrir, não pra chorar.
Sobrou as reticências, os milhares de parênteses no meu livro inacabado. E as notas de rodapé. E as fotos manchadas de sangue. E as cartas rasgadas jogadas ao vento, para longe.
Tenho à quem escrever, tão logo quanto a própria respiração:
eu.
coligir
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