segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

"Às vezes compreendo, assim do nada, como num lapso ou como se deus baixasse uma memória antiga, às vezes compreendo assim, meio sem querer, como se a coisa toda fosse dolorosa - e ela é, ela pulsa e é uma verdade intragável e que escrever não alivia -, como se eu, mesmo se soubesse, não quisesse engolir. E eu realmente não engulo. Às vezes compreendo, comprimindo minhas pernas com as mãos antes de dormir, neste calor fervoroso paulistano, e entendo, entendo mesmo, assim de verdade, que estou ficando cada vez mais eu comigo, eu sozinho, eu só dentro de tudo, pertencente aos lugares mas sem saber tocá-los, dirigi-los, sê-los. Sou nada não, sou antes um passageiro de ônibus lotado é só mais um sentado próximo à janela esperando o sol bater no rosto. Suo e sou mais um sentado nos bancos do metrô, sob os telhados dos apartamentos da rua augusta, dentro dos bailes, por cima dos trilhos, que ninguém pára, desce, e agarra a solidão. Ninguém diz que quer que ela vá embora porque, se ela for, assim, de repente, fica-se tudo e o todo, e não sobra nada. Foi então que compreendi que, se eu subtraísse todos os meus sonhos, todos os meus desejos e todas as minhas vontades patéticas, humanamente patéticas, não me restaria nada. Lembro de ter lido drummond que dizia “entre a dor e o nada, o que você escolhe?” e compreendi. Passei por tantos choques de realidades, desses amores que a gente entrega nas mãos mas que voam, transformam-se, camuflam-se, renegam-se; tantos buracos em que afundei meus pés e fiquei lá embaixo gritando; e tanta lágrima que forcei pra pular dos meus olhos como se a dor fosse de uma poesia que me salvaria. Mas salvou não. Às vezes compreendo, como se eu soubesse, que tudo não passa de um medo, um medo enorme, um medo assustador de ficar sozinho e não ter pra quem pedir socorro quando as pernas gangrenarem, quando o suor for afogo e as palavras já não cobrirem este mesmo nada, este mesmo vazio que fica sobra está. Em tudo. Agora entendo e até assimilo que o que eu sentia era fuga, detenção, assombro, falta de paz comigo mesmo. Buscava em outras pessoas alguma sobrevivência, alguma suposta calmaria que eu não dava a mim mesmo. Tirava dos outros o brilho, e a luz que eu não me proporcionava. Então, então eu compreendi. Que a grande lacuna (e machado diz isso: e falta eu mesmo, e essa lacuna é tudo) era a de mim com os meus interiores. Com a falta de mim em mim, que estava tão ausente. Às vezes compreendo meu erro e de repente, já não preciso me refugiar nos braços daqueles que invento. E já não existe o grande amor da minha vida porque eu sei que ele é irreal. E já não existe a pessoa que jamais olhará para os meus defeitos, porque os defeitos são calos construídos na pele para serem vistos. E entendo que drummond, supondo que a dor é mais válida do que o nada, quis dizer que poderíamos escolhê-la como escape. Desculpe poeta, desculpe mas o nada que eu tenho, agora, diz muito mais sobre mim que algum dia eu quis saber. E saber de mim e de tudo o que me escapa, é essencial. Como numa memória divina ou como num soco nos dentes, que seja."
- Floresinexatas.

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