sábado, 3 de agosto de 2013

O homem misterioso

Com sua cara de nada, ele chega à festa. Não dá pra saber se está feliz, cansado ou apertado pra usar o banheiro. Seus olhos trazem a expressão de um Cigano Igor que ama e odeia com a mesma intensidade com que folheia uma revista na sala de espera do dentista. Ele pega uma cerveja sem pressa e sem barulho. Toma a cerveja sem prazer e sem calor. Suas mãos entediadas precisam agora segurar qualquer coisa um pouco mais quente que essa lata. Talvez aquela magra, talvez aquela morena, talvez aquela que só falta sentar pelada no colo dele. Mas ele vai em busca de copos e corpos com tanta preguiça que, por alguma questão incompreensível da natureza, os copos e corpos chegam nele antes.

Trocamos olhares e fico sem saber se ele quer me beijar ou bocejar. Se sua doçura é descaso ou desatenção. Se ele quer se matar ou comer bolinhas de amendoim. Ele vai da cozinha pra sala e da sala pro quarto sem certeza, vontade ou estratégia. E eu vou atrás. Ele lamenta que eu não bebo. Você é chata, diz. Se você injetar 100 drogas na pele e eu tomar apenas um guaraná, ainda assim estarei mais entorpecida. Penso nessa resposta mas estou no meu momento escrava, e apenas obedeço: sim, sou chata!
O homem misterioso me escraviza. A dureza falsa da sua armadura de papel é tão charmosa que fico com vontade de rasgar infinitamente as milhares de folhas em branco que protegem seu peito. E sei que na última folha vai estar escrito “não esquecer de comprar pão” ou qualquer outra banalidade. O homem misterioso é quase sempre apenas uma pessoa desinteressante brincando de não mostrar isso.

Você me beija com alguma firmeza. Mas ela se desfaz. Você quase faz um carinho no meu cabelo. Mas a intenção desaparece. Seus desejos e belezas são areias transparentes que a sua própria mão não alcança. Você não me alcança e, por isso, eu sei que tenho de ir até você. E vou.

Não lembro seu nome. Esse texto não é pra você. São milhares com a mesma cara de nada que capturam minha atenção detalhista e entregue. E eu sempre vou. Só preciso saber como é ser você. Como é não se importar comigo se eu só consigo me importar comigo? Somos tão iguais no narcisismo e tão diferentes na execução das nossas solidões. Eu passo uma vida inteira tentando me distrair de como é absurdamente incrível e assustador estar vivo, e você… E você? Me diz como faço pra ver um pouco de humanidade no seu olhar. Me diz o que eu preciso fazer pra você perceber que eu estou aqui. Ah, você percebeu. Mas não se importa. E é nesse momento, nesse vácuo de desdém intocável e triste, que o homem misterioso entende todo o mistério do mundo. E o mais bonito é que ele não tá nem aí.

Tati Bernardi

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