quarta-feira, 18 de junho de 2014

"ela anda na beleza, como a noite
de firmamentos sem nuvens e céus estrelados:
e o que há de melhor nas trevas e na luz
encontra-se em seu aspecto e nos olhos.”

lord byron

mergulhe em mim

se a água um dia acabar, não se preocupe. se sentir sede, não se preocupe. se nunca mais chover, não se preocupe. se os mares secarem, se os rios acabarem, se os lagos morrerem… não se preocupe. se tudo um dia se findar, mergulhe em mim. mergulhe fundo em mim, e eu me afundarei em você. na nossa alma não há seca, babe; em nós há sempre garoa, e algumas vezes tempestades também nos atingem… se tudo um dia virar deserto, amor, não se preocupe. mergulhe em mim, e eu transbordo.

-Singrar

A Caça

Por que é importante ler? Pergunta recorrente em qualquer encontro de escritores com estudantes. E a gente acaba desfiando um rosário de respostas prontas, um blá blá blá repetitivo, apesar de necessário. Mas hoje vou dar um exemplo prático. Estava lendo uma revista - nem era um livro - quando me deparei com uma entrevista feita com o chef Philippe Legendre, estrela da gastronomia francesa de quem nunca provei um ovo frito. Ignorante sobre quem era o cara, li. Lá pelas tantas, o repórter: “É verdade que o senhor adora caçar?” O chef: “Eu caço o silêncio. Atiro no barulho.”

Bum!

Perdizes, faisões, coelhos, sei lá o quê o tal homem caça todo final de semana - e nem me interessa. O importante foi o impacto causado por aquelas duas frasezinhas curtas que pareciam um poema e que empurraram meu pensamento para além daquelas páginas, me puseram a pensar sobre minhas próprias perseguições. Caço o silêncio. Atiro no barulho. Eu idem, monsieur.

Eu caço o sossego. Atiro na tevê.

Eu caço afeto. Atiro em gente rude.

Eu caço liberdade. Atiro na patrulha.

Eu caço amigos. Atiro em fantasmas.

Eu caço o amanhã. Atiro no ontem.

Eu caço prazeres. Atiro no tédio.

Eu caço o sono. Atiro no sol.

E quando caço o sol, atiro em relógios. Acho que é isto que a leitura faz. Nos solta na floresta com uma arma na mão. Nos dá munição para atirar em tudo o que nos distrai de nós mesmos, no que nos desconcentra. O livro não permite que fiquemos sem nos escutar. A leitura faz eu mirar em mim e acertar no que eu nem sabia que também sentia e pensava. E, por outro lado, me ajuda a matar tudo o que pode haver em mim de limitante: preconceitos, idéias fixas, hipocrisias, solenidades, dores cultuadas.

Lendo, eu caço a mim e atiro em mim.

Martha Medeiros
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sábado, 7 de junho de 2014

Roseira

Desembarace meu peito
Me sustente com o teu olhar
Quero morar no teu sorriso
E desfrutar da tua pele rosada
Como desfrutam os deuses
De um sacro manjar.
Serás meu alimento
Por toda a eternidade
Esquecerei as blasfêmias
E segurarei tua mão
Como quem segura a própria vida
Por medo de escapar
Esqueça as angústias/a ansiedade/o medo/a distância
E qualquer coisa mais sem relevância
Frente ao que tenho pra dar
Meu sol brotando em teu corpo
E o tempo mudando teu nome
Bem devagarinho
Pra não apressar
Você morrendo flor
E renascendo roseira
Firme e radiante
Não demores nem mais um instante
Para me aceitar
Sob teus galhos empoleirados de rosas
E teu cheiro doce
Emanado de um pescoço nu
Que então te regarei todos os dias
Com o amor que hoje jaz aqui guardado
Num pacote velho e empoeirado
Mas em perfeito estado
Pronto para ser usado
Quando você precisar.

(Matheus Pinheiro, http://eupareidefumar.blogspot.com.br/ )

Elogio da solidão que nos une e nos separa

Eu sou dessa gente que anda só. Não me pergunte por quê. Eu não sei responder e você vai achar que é indelicadeza minha, mas é nada senão a mais sincera incapacidade. Não consigo, não dá.

Minha bicicleta não tem garupa, é veículo de um sozinho, descendo uma estradinha esburacada com um equilíbrio tão delicado que é preciso manter as duas mãos no guidão o tempo todo, sabe? Descobri que posso lhe dar uma delas agora e logo tenho de soltar. Não por nada. É só para não me esborrachar no chão. E acredite: se eu não largar a sua mão, você vai cair também.
Acontece sempre. Vira e mexe, meu balão excede a capacidade de carga e começa a descer. É quando você deve pular de volta para o seu. Só assim, você aí, eu aqui, cada um de nós em seu próprio balão, ganharemos o céu de novo. Subiremos para além das nuvens, acima das tempestades e turbulências, onde o ar é raro mas é feito para quem aprende a respirar devagar e sempre.

Lá em cima, o céu do dia é azul, azul que dói. O sol é franco, o vento é calmo e o silêncio é doce e bom. À noite, é tanta estrela mais perto que a gente aprende a olhar aos pouquinhos.
E tem a lua enorme comandando as marés aqui embaixo, inspirando os amantes, fazendo a festa de quem sonha. Como você e eu.

Cá embaixo, meu barquinho estreito, frágil, não suporta mais de um por muito tempo. Qualquer elemento novo é capaz de virá-lo de pronto. E iríamos os dois para a água. Daqui, no leme grosseiro da minha embarcação solitária, olho para cima com ares de nostalgia. Sou criatura das rodas gigantes, dos teleféricos e montanhas russas. Sonho com as alturas e o silêncio. Sou dessa gente que anda só.
Ouviu? A voz da moça no aeroporto anuncia a hora do voo. Última chamada. Passageiros com destino ao logo mais, embarque imediato no primeiro portão aberto. Meu avião já está ali, pousado, me esperando com a perfeição e a generosa complexidade dos aviões de papel. Mas só cabe um.

Não é por mal. É por defeito de nascença. Eu sou dessa gente que anda só. Gente rarefeita, imperfeita, escassa e com tão pouco para dar. Vou, vamos, aos pouquinhos, com o vento farto e os amigos raros, cada um em sua bicicleta sem garupa, seu balão instável, seu barquinho pessoal e intransferível, sua aeronave de jornal.

Assim, voando sós por aí, você e eu já nos encontramos um dia. Assim haveremos de nos reunir. Livres, fortes, seguros. Donos de nossas embarcações, acima das imposições, das cobranças e dos pesos da vida burocrática e normativa de ontem, de hoje e de amanhã. Felizes no leme de nossos destinos. Porque temos nada senão a mais sincera incapacidade. Porque somos dessa gente que anda só.

(André J. Gomes, Revista Bula)

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Segunda fica nublado
Terça chove
Quarta temporal
Quinta ventania
Sexta frio
Sábado geada
Domingo neva
E o engraçado
É que é tudo
Dentro de mim.
Os climas no meu interior não são os mesmos sem você aqui. (Setembriar)
“Hoje eu to um porre de amor.
Vamos falar de um porre de amor?
Amo-te porque não sei deduzir o amor sem lembrar teu nome.
Amor não, de um porre de amor.
Sabe quando você ama tanto que fica um porre?
Overdose, dear. Overdose, querido.
E diz que se beber de mim, vira porre matemático. Ao quadrado, triplo, elevado à quarta potência, e assim sucessivamente.
Eu quero te consumir em cada instante, porque teu tamanho contorna o universo e se encaixa no céu da minha boca.
O contorno dos teus lábios me dá disritmia e me faz perder nas linhas dessa frase que eu nunca sei onde é que vai terminar. Se é que vai.
Não termina, não para. Fica. Fica num lugar que te cabe e te precisa. E se for pra terminar, termina. Faz do meu ser ponto de término. Termina com teus lábios quentes no meu corpo e faz dele avenida de mão dupla.
Marca teu ponto nas minhas vísceras, mas não engole. Aliás, me engole que dentro de você deve ser lindo também. Coloca-me nos teus contos e faz-me o amor que arde em ti pelas flores. Eu não sou flor, mas posso ser.
Esconde-me no teu abraço e me afunda no teu colo, me afaga com tua pele macia de algodão. Faz-me sentir teu outro lado, teu outro lugar de viver.
Faço de você tudo aquilo que as minhas palavras, numa transa conecta, desejam fazer. Ofegar, perder o fôlego em cada verso que vejo nos teus olhos, só nos teus. Faço porque no vão dos meus seios cabe tua face, porque o silêncio da minha pele calma anseia o desalinho frenético das tuas mãos, porque meu sorriso torto é charme e convite à tua essência de homem que me quer tua, e nua, mapear cada canto meu com a cor do teu amor, só o teu.
E nos fios do meu cabelo o emaranhar dos teus dedos encaixariam perfeito, dançando aquela música que só tocam nos nossos ouvidos, de forma que os meus braços te apertem contra o meu peito e te faça sentir o que pulsa dentro de mim. Cada canto de mim ouriça os teus encantos que se funde ao meu desejo desenfreado de tomar o teu sangue quente, como quem toma chocolate quente em dias de neve.
E sentir cada canto do em mim. Como um nó dentro dos nós das nossas mãos, dos nossos corpos, do nosso jeito e silêncio dito nos intervalos do olhares desesperados por amor, por amar, por sentir o corpo, sendo um só, trêmulo e por sentir o infinito em instantes, indescritíveis e raros, marcados à pele, à boca, ao toque das digitais e fotografados na memória de uma cama desarrumada, que em nada se parece no alinho perfeito do verbo amor entre nós, no nosso nó.
Carol Souza e Ofegar

domingo, 1 de junho de 2014

Glamour Undercover: Kate Winslet
Photo Credit: Daniel Jackson
"Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das mãos de carícias não dadas.
Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da conha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão.
No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do deserto - preciso de alguém para dividir comigo esta sede. Para olhar seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes nem azuis e dizer assim: que longa e áspera sede, meu amor. Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um Caminho. Esse, simples mas proibido agora: o de tocar no outro. Querer um futuro só porque você estará lá, meu amor. O caminho de encontrar num outro humano o mais humilde de nós. Então direi da boca luminosa de ilusão: te amo tanto. E te beijarei fundo molhado, em puro engano de instantes enganosos transitórios - que importa?
Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias, responsáveis. Engano, mistifico. Disfarço esta sede de ti, meu amor que nunca veio - viria? virá? - e minto não, já não preciso.)
Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço.
Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas caírem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."


Meu nome é Caio F.
Moro no segundo andar,
mas nunca encontrei você na escada.
“Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim não falte.”

— Clarice Lispector.

Menina dos olhos caídos

Queria que a minha voz pudesse niná-la, menina dos olhos caídos e do sorriso que fala. Queria que os meus versos pudessem dizê-la, que não busco nada além de inteiramente conhecê-la. Queria que as minhas mãos pudessem massageá-la e os meus jantares – um dia – satisfazê-la. Queria sonhar contigo tempo suficiente, para diariamente ser capaz de agradecê-la – por existir.

Queria levá-la do chão, ao céu da minha boca e, com a voz rouca, dizer-te que – ainda que o sol apareça – não precisamos sair da cama. Queria que os meus braços guiassem os teus sonhos intranquilos, e as minhas pernas acobertassem os teus desejos mais intensos. Queria dar-te carinhos em troca de simples suspiros, um ninho e um amor de passarinho. Queria ver-te bem cedo, antes da lua se por, pois ao seu lado, o único medo que tenho, é de prender o teu amor.

Queria poder cantar a tua música predileta e, poder abrir em ti, portas nunca antes abertas. Queria embriagá-la com palavras jamais ditas e poesias nunca antes recitadas. Queria que a natureza mais próxima do teu leito, fosse a composta pelos curtos pelos que preenchem o meu peito. Queria poder tentá-la, até conseguir fazê-la, entender que não procuro nada além de – verdadeiramente – vivê-la.

Menina dos olhos caídos, este poema breve é destinado para o teu bem, e bem perto de mim – se for possível.

(Fellipo Rocha)